terça-feira, 30 de junho de 2015

Reconstituir afectos em Castro Daire



Aqui há uns tempos numa palestra dada na Festa da Primavera do Jardim Botânico da Ajuda, Lisboa, o Antonio Romano, do projecto Eva Dream - Florir Portugal, teve oportunidade de voltar a repetir pela enésima vez  a sua tese, simples e óbvia, de que os tempos dificeis que hoje atravessamos só serão verdadeiramente ultrapassados quando voltarmos, sem vergonha nem complexos, aos afectos.

Quase que parece pueril de tão simples. Mas não é. São mesmo os afectos, a força desmedida e avassaladora do sonho. que encerram a única força capaz de nos devolver uma brisa no rosto! 

E foi essa a ideia que sem estarmos à espera voltámos a ouvir, mas desta vez da boca de Albino Poças, o principal impusionador da recriação da "última rota de transumância" realizada no fim de semana passado em Castro Daire: O que ali se fez não foi uma recriação histórica. Nada disso. Foi, isso sim, uma emocionante e magistral reconstituição de afectos.

Como em tudo o que brilha, podemos olhar a iniciativa de Castro Daire de muitas perspectivas. uma forma promover o seu território e a serra de montemuro, de atrair turistas, de fortalecer a auto-estima da população que ainda resta, de animar as suas festas de S. Pedro, de mostrar algo que as televisões possam usar para dizer ao mundo de como era "antigamente".  Todas elas são verdade e quase todas válidas. Mas a melhor, a que vale mesmo a pena reter, foi dada pela população que recebeu com palmas a entrada dos rebanhos na cidade Acompanhadoselos pastores dos rebanhos de hoje e pelos mesmos antigos pastores da base da Serra da Estrela que há cerca de 15 anos o fizeram pela última vez em busca dos prados de Montemuro e que, sabendo da recriação, não quiseram faltar.


É verdade. que a economia e o passar dos tempos se encarregaram de tornar obsoletas e impraticáveis as seculares rotas de  transumância que existiram no nosso país. Mas recriá-las da forma como se fez este fim de semana em Castro Daire, está muito longe de ser um teatrinho inodoro para passar nas televisões. O que ali se viu foi mesmo gente a reconstituir-se orgulhosamente!

Dito isto, que era o que de mais importante havia a reter, não esquecemos que este é, apesar de tudo, um projecto centrado na flora nativa do nosso território. Até porque uma das razões de termos participado na actividade da Nómadas, foi a de ficarmos a conhecer a flora daquela região pelas veredas de antigos pastores.

O percurso, corresponde na prática e fielmente aos troços percorridos nos dois últimos dias, dos seis  que todos os anos milhares de ovelhas e cabras percorriam guiadas por pastores e cães serra da estrela. È um percurso marcado por diferentes espaços bio-climáticos, o que é o mesmo que dizer, por uma flora bastante diversificada, A começar nas gramíneas do planalto beirão e a acabar nas orquídeas em flor dos lameiros ainda encharcados das vertentes de Montemuro,

Mas a planta que destacamos, que mais nos acompanhou ao longo do percurso, e uma das nossas favoritas há ja bastante tempo, é a que dá pelo nome vulgar de botão-azul ou, se preferirem, Jasione montana. Olha-se e volta-se a olhar à procura de um defeito que justifique a ausência destas flores da nossa jardinagem e não conseguimos. Vulgar em todo o território nacional, indiferente ao tipo de solo, apenas pede que não a exponham em demasia ao sol. O que é que é mais preciso?

Para nós é, indiscutivelmente e a menos que nos convençam do contrário, uma planta perfeita para voltar a sonhar!


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