Quem nos segue há algum tempo já sabe que não gostamos de espartilhar o que nos rodeia. As coisas, nós, a terra, os elementos, flora e outros seres incluídos, estão todas ligadas e separá-las pode trazer benefícios, mas apenas para efeitos de estudo (e só de alguns). Persistir mais do que isso só nos prejudica e são poucas as vantagens que se podem tirar da permanente hiper-especialização que com frequência nos dizem ser o caminho.
Vem isto a propósito das X jornadas Etnobotânicas ontem realizadas em Fornos de Algodres dedicada este ano às ligações entre as Plantas e a Religião. O mesmo é dizer das ancestrais ligações que fomos desenvolvendo com as plantas e as suas cargas simbolicas, religiosas, espirituais e mágicas. Neste particular está tudo ligado e quando um grupo de humanos confere uma identidade e um valor a uma planta é a sua própria identidade e diferenciação que estão em construção nesse momento.
Daí que as mesmas plantas tenham, entre diferentes comunidades, muitas vezes separadas apenas por pequenas distâncias, nomes tão diversos. Isto, longe de ser uma problema, é um dos nossos principais activos enquanto povo. Essencial para mantermos uma identidade própria, É factor de auto-estima e valorização da nossa forma de viver enquanto comunidade. E de como nos apropriamos da nossa terra numa relação de respeito mútuo, única e irrepetível.
Nesse aspecto as intervenções dos oradores Prof. Vasco Teixeira e António Catana, dedicadas aos ritos religiosos nas terras das Idanhas, por altura da Páscoa, demonstraram bem até que ponto os muito pobres da Beira baixa não o eram com toda a certeza de espírito.
Como é natural há quem possas achar estes aspectos perfeitamente acessórios e dispensáveis que se podem e devem descartar-se facilmente para não atrapalhar a uniformização a gosto dos senhores. E entre nós não são poucos os casos em que isso aconteceu. pois quando se tem muito património é-se com frequência, muitas vezes ingenuamente, perdulário. Felizmente um erro que em Fornos de Algodres conta, por agora ,com gente para o combater. Estas jornadas e o fim de semana dedicado à urtiga são um bom exemplo disso.
Numa terra com o imenso património cultural e natural como que Fornos de Algodres tem no sopé da Serra da Estrela, ousar enveredar pela erva mais mal afamada e dar-lhe uma confraria é não abdicar de um milimetro de terra! Ainda bem. Uma terra custa muito e mal estamos quando começamos a abdicar dela de forma relaxada.
Outrora alimento de último recurso dos mais pobres, às urtigas aqui abundantes (Urtica dioica) a recente investigação científica comprova-lhe inúmeras qualidades enquanto alimento nutritivo e de propriedades anti-oxidantes. Pode ser utilizado na confecção de inumeros pratos já concebidos e em muitos outros que estão para ser inventados. Defendê-la e promovê-la ilustra apenas o enorme potencial que todos os outros recursos endógenos da região podem ter. Se forem devidamente valorizados, claro!
Sem comentários:
Enviar um comentário