Costumamos e gostamos de assinalar equinócios e solstícios. O de Verão, particularmente, por ser o início da estação que geralmente associamos aos dias longos e às férias. Por ser época de santos populares, festas e romarias. Para nós ainda, por ser a época de colheitas e por, apesar de ser a época mais seca, ainda se vislumbrarem aqui e ali muitas das flores silvestres às quais atribuímos valor, seja ele ornamental ou outro.
Este ano porém, o solstício, que ocorrerá esta madrugada pelas 5h24m, de acordo com o AOL, será marcado pelos muitos fogos que ainda lavram na região centro do país e que, numa dimensão trágica inimaginável, conduziram à morte 64 pessoas.
Não poderá ser um solstício de celebração e será seguramente e para sempre um dos Verões de pior memória para nós. Lembrar os que perderam a vida em Pedrogão Grande este Verão será a imagem que nos vai acompanhar nos próximos 3 meses.
Mas se não há nada que os possa trazer de volta à vida, que a sua trágica morte possa motivar o sobressalto que todos nós, enquanto sociedade, lhes devemos para que tragédias idênticas não se repitam.
Um sobressalto que nos faça perceber de uma vez por todas que, longe de sermos os melhores dos melhores, falhamos muito e em muita coisa enquanto povo. E em toda a linha em matéria de ordenamento e gestão do nosso território, onde devemos competir nos últimos lugares da tabela com o Haiti ou a ilha da Páscoa.
Aqui chegados dispensamos-nos a juntar mais bitaites sobre o diagnóstico. Pelo menos desde 2003, ano em que ardeu Oleiros, que as causas profundas estão identificadas pelos mais diversos especialistas. O prof. Jorge Paiva, O Arq. Ribeiro Teles, o Prof. Nuno Gomes da Silva, Luís Alves, Pedro Bingre do Amaral e tantos, tantos outros, já explicaram de forma detalhada que o nosso território não suporta as extensões de monoculturas de eucalipto e pinheiro que as fileiras industriais pretendem; Que a solução passa pela constituição de unidades de gestão minimamente dimensionadas que, dotadas de recursos e capacidade efectiva de acção, promovam povoamentos mistos com outras espécies, nomeadamente autóctones; que, se necessário for, o Estado deverá expropriar amplas parcelas de território.
Embora nem tudo se possa assacar ao Estado - quantos de nós, que nos emocionamos no conforto dos nossos sofás, não tem uma parcela de terra ao abandono!? - É a este que, no conjunto das lideranças politicas e da administração pública, cabe a responsabilidade de gerir o território e os diferentes actores que nele se movimentam, nomeadamente: industrias, populações e autarquias.
E foi aí que o nosso Estado, lideres políticos eleitos+administração pública, central e local, falhou total e redondamente nos últimos 40 anos. Não são necessárias demissões deste governo em particular, porque todos os anteriores foram incompetentes. Mas também não podemos aceitar que hoje apenas se nos ofereçam de mão vazias, voz embargada, olhos húmidos e desorientados para daqui a menos de dois meses rejubilarem de alegria a abraçar despudoradamente turistas nas praias do Algarve.
Porém, quando morrem estupidamente 64 cidadãos, não é mais possível continuar a empurrar com a barriga e a assobiar para o lado. Nem insistir em fórmulas e estruturas que já provaram não serem capazes. O que precisamos de saber é tão simples como o que é que de novo se está disposto a fazer para repensar seriamente o ordenamento do território e da nossa floresta. Sem hipocrisias. Se for mais do mesmo dos últimos 15 anos, mais livros brancos, mais prós e contras da Fatima Campos Ferreira, para, depois, no fresquinho dos gabinetes de Lisboa, se concentrarem em mais medidas de apoio à produtividade da fileira de celulose e contratos milionários para o combate às chamas, o melhor será mesmo assumirem de uma vez por todas a sua incapacidade e que amplas áreas do país estão subtraídas à nossa soberania e concessionadas à lei da indústria mais forte.
E, se for esse o caso, se for impossível, se a República não tem nem o dinheiro nem a capacidade, a única coisa que nos restará fazer, se pretendemos manter ainda alguma dignidade, será então evacuar permanentemente as poucas populações que por lá ainda agonizam. Dar-lhe novas oportunidades de vida digna no litoral e, por misericórdia, evitar que morram carbonizadas.
E as televisões portuguesas que descubram outros espectáculos degradantes para entreter as massas. Nem imaginação, nem drones lhes faltam, tantas são as vezes que por estes dias tanto nos têm lembrado até à náusea os filmes "Jogos da Fome", provando que também aqui a realidade ultrapassa com muita facilidade e largamente a ficção.
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