segunda-feira, 23 de março de 2020

Em tempo de ficar em casa... Um Jardim autóctone!

(colagem elaborada com fotos de Rafael Carvalho obtidas em  www.jardimautoctone.blogspot.pt)

Num momento em que  por precaução todos nós devemos ficar por casa, só por análise ligeira é que corremos o risco de nos entediar. Quem tem filhos ou está em tele-trabalho tem o programa de festas mais do que definido. Mas para quem não está nessa situação também  não lhe faltarão alternativas para ocupar o tempo. Entre ficar escravo das redes sociais e da voragem dos números da pandemia, alienar-se nos canais de entretenimento, por a leitura em dia ou simplesmente aproveitar  para repensar a forma como nos iremos recriar no futuro próximo, são muitos os focos que nos podem ajudar a passar este tempo de forma proveitosa. Claro que a jardinagem e o contacto com as plantas e a terra são um dos melhores programas, mas nem todos têm essa possibilidade ao seu alcance.

Nós iremos fazer um pouco de todas as coisas que acima referimos e para começar a semana dedicamos hoje atenção ao nosso blogue. Infelizmente ao longo dos últimos anos a nossa disponibilidade para o manter foi diminuindo e o ritmo frenético das comunicação no Facebook e Instagram acabam por consumir a maior parte da energia. Não sem pena nossa. A blogoesfera tem virtualidades insubstituíveis e hoje muito do que somos a ela devemos. Dessas virtualidades a maior é a de todos os posts partilhados continuarem perfeitamente disponíveis para todos os que se interessarem por qualquer temática. Mesmo que por qualquer razão o seu editor resolva deixar de editar novos posts, todo o saber que generosamente partilhou continua acessível!

Desde que iniciámos o nosso projecto em 2013 nós próprios partilhámos neste blogue muitos textos sobre espécies, ideias e temas relacionados com a flora autóctone e a jardinagem sustentável que, sem qualquer pretensão cientifica, continuam a merecer uma visita. Porém, melhor do que nós outros alimentam ou alimentaram blogues que ainda hoje são para nós uma referência que vale a pena ler como se tivessem sido acabados de editar!

O blogue Jardim autóctone, editado pelo Arq. paisagista Rafael Carvalho entre Novembro de 2011 e Abril de 2015, é para nós um dos mais válidos e que merece ser lido. Hoje, em 2020, já é relativamente consensual a mais valia que a flora autóctone pode trazer a um jardim e são já alguns os projectos que a incluem de forma perfeitamente consciente e assumida. Mas há perto de 9 anos criar um blogue só sobre esse tema era desbravar terreno virgem!

 Partilhando não só informação útil mas muitas das opções que ia  colocando em prática no seu jardim particular em Armamar, no Alto Douro, o qual infelizmente nunca tivemos a oportunidade de visitar, Rafael Carvalho partilhou generosamente ao longo de mais de 3 anos muitas ideias que continuam totalmente actuais e válidas. Desde sebes a como fazer um pequeno charco, passando pelas inúmeras combinações estéticas que é possivel formular fazendo uso de plantas provenientes de outras regiões do nosso país até à necessária vertente ecológica que qualquer jardim pode ter para além da simples fruição humana. Há poucos posts que não mereçam leitura e, nestas semanas em que o tempo é coisa que nos sobra,  todos aqueles que se interessam por esta temática  têm ali muitos recursos!

Um dos posts, que para nós é fundador, é de Novembro de 2012:  Plantas autóctones no jardim – Porquê? Aconselhamos vivamente a sua leitura no sítio onde originalmente foi publicado - Até porque é acompanhado de fotos. Mas não resistimos a transcrever o seu texto. Todas as variáveis relevantes nesta matéria estão nele abordadas! 

Ao Arq. Rafael Carvalho o nosso Obrigado e a quem ler este texto os votos de que este tempo inédito se passe da forma menos penosa possivel!


                                   Plantas autóctones no jardim – Porquê?


O termo autóctone é sinónimo de nativo ou indígena, isto é, diz respeito a todo o ser vivo originário do próprio território onde habita.

O território continental português é ponto de encontro de duas regiões biogeográficas: a Eurossiberiana e a Mediterrânica. Na região Eurossiberiana, inclui-se o noroeste de Portugal Continental, com um clima temperado e chuvoso, fortemente influenciado pelo efeito amenizante do Oceano Atlântico. A Região biogeográfica Mediterrânica, que ocupa a restante parte do nosso território, caracteriza-se por possuir um clima em que as chuvas escasseiam durante o verão. Às distintas regiões biogeográficas correspondem faunas e floras muito próprias, muitas vezes sobrepostas no caso do nosso país por se localizar na franja de transição. No contexto europeu, a localização geográfica de Portugal, ponto de encontro de dois mundos, coloca o nosso país numa invejável posição no que à biodiversidade diz respeito.

Existe uma expressão popular portuguesa que afirma “A galinha da minha vizinha é melhor do que a minha”. Curiosamente o dito pode ser pensado ao contrário. As minhas galinhas, para as minhas vizinhas, serão pois melhores do que as delas. Confuso! Dá que pensar…

Votadas ao desprezo por nós, as nossas plantas têm lugar de destaque em paragens distantes. Para os franceses o azereiro (Prunus lusitânica) é o Loureiro de Portugal, para os ingleses o rosmaninho (Lavandula stoechas pedunculata) é a Lavanda portuguesa. E o que dizer do carvalho português (Quercus faginea)?!…Pinheiros mansos, lódãos, sobreiros, … Arquitetos paisagistas como o arquiteto Ribeiro Teles, são um verdadeiro exemplo a seguir. Com visão de futuro transportam os nossos espaços naturais para o interior das nossas cidades.

Algumas das nossas espécies autóctones já são entre nós comercializadas, sem que a maioria dos consumidores suspeite sequer de que se tratam de espécies autóctones – medronheiro, folhado, pilriteiro, loendro, rododendro, madressilva, alecrim, murta, loureiro …
Entre herbáceas, plantas de cobertura, arbustos, árvores e trepadeiras, existem contudo muitas outras espécies cujo potencial se encontra desaproveitado: esteva, sabugueiro, roselha, trovisco, sargaço, tojo, sanguinho das sebes, carqueja, lentisco bastardo, catapereiro, jasmim-do-monte, carrasco, vinca, vide-branca, zambujeiro, morangueiro bravo, arméria, roseira brava…

Cada região biogeográfica tem a sua flora característica, capaz de servir de inspiração na hora de construirmos os nossos jardins. Os modelos de jardim importados, exigem muita manutenção. São mantidos à custa de muito dinheiro gasto em água, que não temos, e em adubos. As chuvas na maior parte do nosso território são escassas e irregulares, concentradas apenas numa parte do ano. Os modelos importados abusam dos relvados, quando os nossos prados naturais, limpos e cortados, mesmo que secos no verão se enquadram no ambiente natural da Europa do Sul, onde nos encontramos.

A menos que sejam invasoras, com este texto não pretendo de forma alguma fazer um apelo à irradicação das plantas exóticas dos nossos jardins. Quase todos os dias como batatas. A batata que eu como e nós cultivamos é uma exótica importada da América do Sul. Também da América veio o milho, e como gosto eu de broa! E o que dizer das saborosas laranjas que os portugueses trouxeram do Oriente? Nos passeios que dou pelas cidades que vou visitando, os seus parques e jardins são ponto de paragem obrigatória. Quando visito um jardim botânico, muitas das vezes constituído maioritariamente por plantas exóticas, entro em êxtase. Vinda dos trópicos, como admiro eu a nepentes que lá em casa tenho suspensa na minha cozinha…
Com este texto, pretendo simplesmente chamar a atenção para o desprezo a que têm sido votadas as nossas plantas autóctones. Eu próprio tenho um jardim autóctone e com isso fico satisfeito.

Com objetivos produtivos ou ornamentais, plantas existem que não sendo autóctones há muitas centenas de anos convivem entre nós: ciprestes, amendoeiras, oliveiras, figueiras, romãzeiras, laranjeiras, limoeiros. Aliadas às autóctones estas plantas produzem espaços ajardinados bastante equilibrados e agradáveis, respeitadores das nossas paisagens.

É também através das plantas autóctones que os turistas que nos visitam podem reconhecer a singularidade do nosso país. A vegetação natural ajuda a ler o território. É isso que o turista procura quando visita um país estrangeiro. A nossa vegetação nativa deve para nós ser um motivo de orgulho. Os turistas que nos visitam procuram o que de mais genuíno possuímos - as nossas cores, os nossos aromas, as nossas formas. Se quisessem apreciar paisagens tropicais, repletas de palmeiras, não seria Portugal que procurariam. As plantas autóctones respeitam as nossas paisagens e a nossa cultura, produzindo jardins mais autênticos e genuínos. E não nos esqueçamos que as paisagens são tão identitárias para os povos como a sua língua - e como gosto eu de falar português!

A combinação de cores intimamente ligada às estações, os aromas, as texturas e composições vegetais, o relevo e os próprios sons permitem identificar a região onde nos encontramos. Os sabores também não ficam de fora – no verão delicio-me com as camarinhas em pleno litoral arenoso; no inverno embriago-me com os medronhos em pleno Alto-Douro vinhateiro. 

Verdade seja dita que muitas das nossas plantas autóctones são difíceis de obter. Muitos desconhecem as suas potencialidades…. Os circuitos comerciais e de produção, muitas vezes estão sediados em países distantes que desconhecem o potencial da nossa flora. Acredito que se estas plantas fossem parte integrante da flora onde a investigação em floricultura é mais avançada, já há muito estariam difundidas pelos jardins. O facto de continuarmos a valorizar exotismo em regime de exclusividade, também não ajuda.Nem tudo está perdido. No nosso país existem empresas a dar os primeiros passos na investigação e produção de plantas autóctones. A lisboeta Sigmetum (http://sigmetum.pt/), a funcionar na Tapada da Ajuda, é um exemplo de excelência.

Com recurso à reprodução vegetativa ou através de sementes recolhidas na natureza, os mais aficionados poderão constituir o seu próprio viveiro de plantas autóctones. Evidentemente que esta solução não é para todos.

Habituadas às agruras na natureza, as espécies nativas são muito rústicas. Com apenas um pouco de mimo, florescem abundantemente e apresentam vigorosas folhagens nos nossos jardins. As plantas dos nossos espaços naturais são as que melhor se adaptam às nossas características do solo e do clima. 


Claro que ser autóctone não é um passaporte garantido para a plena adaptação ao nosso jardim. Dentro das plantas autóctones existem plantas adaptadas a diferentes habitats/ecossistemas. Plantas ruderais, rupícolas, ripícolas, resistentes ou não a solos calcários… observando a natureza é necessário escolher a planta certa para o lugar certo. Apesar de autóctone, não me parece ser boa ideia plantar um nenúfar-branco numa floreira de varanda; também não me parece bem plantar um sobreiro no meio de um lago… Um jardim com espécies autóctones no atlântico Gerês, será necessariamente diferente do equivalente no mediterrânico Algarve.

Escolhida a planta certa para o lugar certo, as plantas autóctones após a fase de implantação dispensam a rega. Não há necessidade de fertilizantes nem de cuidados sanitários. Estas plantas desenvolveram ao longo de milhares de anos diversas adaptações ao meio que lhes conferem um elevado nível de resistência a pragas e a doenças. Uma vez plantadas têm a capacidade de se auto-regenerarem. Necessitando de muito pouca manutenção, as plantas autóctones tornam mais sustentáveis os nossos espaços verdes. Acresce ainda que muitas das plantas da nossa flora espontânea têm propriedades medicinais, são aromáticas e/ou condimentares podendo por isso representar mais uma forma de valorizar as potencialidades de cada região.

Os jardins autóctones fomentam a biodiversidade. À riqueza florística adiciona-se a riqueza faunística, pelas relações que as plantas autóctones estabelecem com os animais, fornecendo-lhes alimento e abrigo.
Com recurso às plantas autóctones, as paisagens portuguesas poderão ser ainda mais portuguesas."




2 comentários:

  1. Muito bem João. Pena é que o Rafael Carvalho terminasse abruptamente com o seu blogue, que eu seguia com muito prazer. Obrigado por o trazer de novo este texto à liça.
    Paulo Fonseca

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  2. Bem verdade! Embora em matéria de blogues siga a máxima de que "cada um dá o que pode e a mais não é Obrigado!" E o que o Rafael Carvalho nos deu foi de facto muito bom!

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